Que a dança tem efeitos terapêuticos ninguém duvida, mas de acordo com uma
pesquisa comandada pelo cientista britânico Petter Lovatt estes benefícios vão
além do bem-estar, podendo inclusive combater os efeitos mentais degenerativos
causados pelo Mal de Parkinson, doença que atinge pelo menos quatro milhões de
pessoas no mundo, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU).
Conhecido como Dr. Dance, Lovatt é um ex-dançarino profissional com doutorado
em Psicologia pela Universidade de Cambridge e especialização em Psicologia
Cognitiva. Ele coordena o Laboratório de Psicologia da Dança na Universidade de
Hertfordshire, no centro-leste da Inglaterra.
“Já existem outros estudos mostrando que a dança
ajuda nas questões de mobilidade e equilíbrio dos portadores de Parkinson, mas o
que pudemos ver nos nossos estudos é que há também influência cognitiva,
sobretudo no processo de pensamento divergente, em que é preciso encontrar mais
de uma solução apropriada para um problema. Basicamente a dança é melhor do que
o exercício tradicional para essas pessoas”, explica o cientista.
Os resultados de um trabalho de três meses com grupos de pacientes revelam
ainda dados curiosos sobre os efeitos cognitivos: enquanto formas de
improvisação de dança influenciaram o pensamento divergente, formas
estruturadas, em especial o tango, desenvolveram efeitos no pensamento
convergente (o que busca uma única solução para determinado problema). Nesse
caso mais específico, Lovatt detectou acelerações em apenas 15 minutos de dança.
“Foi um resultado que também vimos nos
experimentos com gente saudável. Imagine se as escolas pudessem incentivar mais
movimentação dos alunos em vez de deixá-los sentados o dia inteiro. Ainda não
sabemos como, mas está claro que a dança tem influência nos processos neurais.
No caso do Parkinson, por exemplo, os cérebros de quem têm a doença podem estar
desenvolvendo caminhos alternativos, driblando as partes afetadas”,
explana o cientista.
O exercício de imaginação tem também um aspecto pessoal. Disléxico, Lovatt
tinha sérias dificuldades e passou por anos de estudo sem conseguir obter as
qualificações obrigatórias para tentar um curso universitário – não que ele
fizesse muita questão na época, diga-se de passagem. Seus esforços eram
destinados à dança e ele trabalhou anos como profissional participando de
produções teatrais e mesmo de turnês em cruzeiros.
“Não tinha o menor interesse no meio acadêmico, achava
fora da realidade. Só aprendi a ler de verdade quando comecei a usar o ritmo da
dança para me ajudar com palavras mais complicadas. Foi quando comecei a ver que
estava fazendo basicamente o que todo mundo faz quando gesticula em busca das
palavras: algum tipo de movimento”, explica Lovatt.
E se os benefícios de exercícios físicos já foram mais que divulgados pelo
meio acadêmico, o cientista-dançarino acredita que é necessário expandir o corpo
de estudos sobre a dança. Especialmente porque nem tudo são flores no que diz
respeito a seus efeitos.
“No laboratório, por
exemplo, estamos trabalhando com análises de casos de bailarinas clássicas
adolescentes, cuja baixa-estima costuma ser menor que a de meninas da mesma
idade que não dançam. Estamos testando tanto a hipótese de que o meio do balé
afeta os sentimentos das bailarinas, quanto a de que meninas de baixa
auto-estima procuram a dança clássica justamente porque a dificuldade técnica
reforça sua autopiedade”, relata.
Lovatt defende, sobretudo, um maior reconhecimento da dança como parte da
base social do ser humano. Por mais que homens e mulheres do século XXI já não
precisem tanto de seus passos como parte dos esforços de acasalamento – ou mesmo
na esfera psicológica – os estudos em Hertfordshire vêm mostrando que esta
relação é mais complexa do que se imaginava.
“A dança é uma parte importante na história
humana e as evidências de que tem influência muito maior do que imaginávamos são
motivos de sobra para que todos prestem um pouco mais de atenção”, finaliza
Lovatt.
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